Maio de 2021
Este mês foi definitivamente, até hoje, o pior mês
da minha vida, pois perdi meu irmão, meu menino de 39 anos para a Covid 19. Sem
poder chorar direito para não assustar minha mãe, a qual eu acompanhava no
Hospital São Vicente, na ala de Covid, eu ouvia e lia a cada dia sobre sua
piora e diversas tentativas que acredito trem sido sofridas para ele,de
reverter seu quadro, todas, infelizmente sem sucesso.
No auge da emoção em 13 de maio de 2021 eu fui para
o Ceará ser acompanhante da minha mãe, como mencionado acima, no Hospital São
Vicente, em Iguatu-CE. Pois é, creiam, ser acompanhante numa ala exclusivamente
Covid (protocolo irresponsável dessa Instituição, pois entravam e saiam a todo
instante as mais diferenciadas pessoas, algumas também com a doença).
E lá estava eu, no intuito de confortar minha mãe
com minha simples presença e assim amenizar a sua dor, caso acontecesse o pior.
O que em 15 de maio realmente aconteceu: meu irmão se foi, sem despedida, sem
flores e nem versos. Num caixão lacrado foram embora sorrisos, sonhos e parte
muito significativas de nossa alegria, hoje transformada em saudades e dor,
manifestadas cada um à sua forma, uns com lágrimas, outros com música homenageando,
outros, muitos outros, com orações.
Recebemos pouquíssimas visitas, típico da ocasião
ou do tempo em que todos temiam transmitir ou adquirir a doença maldita que
veio para matar e destruir indiscriminadamente, jovens e velhos, ricos e
pobres, pretos e brancos, saudáveis e doentes, tristes e alegres, enfim...
Eu, meu pai e meu irmão, agimos com a emoção, e eu
fiquei de acompanhante da minha mãe, e doía demasiadamente quando ela dizia aos
profissionais que lhe perguntavam sobre seu filho, que ele estava melhorando,
quando não sabia sequer que ele já havia sido até intubado, o que ela mais
temia. E eu saia e entrava do quarto disfarçando que havia saído para utilizar
um banheiro externo. E eu recebia ligações e mais ligações dizendo do estado
crítico do meu irmão, mas voltava firme, tentando mostrar que nada demais
estaria para acontecer.
Desde minha saída de SP eu tinha uma triste certeza
dentro de mim que meu irmão não resistiria, mas eu sentia-me mal em pensar
aquilo, perguntava a Deus onde estava minha fé em Seu poder. Era algo que
confesso, eu não gostava de sentir.
Voltando para minha mãe: meu irmão do meio, com
todo o seu zelo, pediu-me para tentar retirar o celular das mãos de nossa mãe,
pois temia que ela visualizasse algum comentário triste sobre nosso caçulinha
nas redes sociais. Pedi à enfermeira que retirasse, mas explicou que estando
lúcida e orientada, o máximo que poderia fazer seria aconselhar minha mãe a não
ficar tanto na internet, e assim o fez.
Mamãe não hesitou em me passar o celular, mas de
vez em quando o pedia de volta, e em mim, a dor de saber do meu irmão, a dor de
ver minha mãe enganada e a preocupação que ela soubesse algo através das redes
sociais, exatamente como aconteceu comigo, sim, comigo, pois meu primo enviou
um print de uma linda homenagem que um amigo tinha feito se despedindo do meu
irmão.
Meu mundo se abriu, o hospital não havia comunicado
isso! Como assim? Quem? Por que? Onde? Quando? De que forma? O que faço agora?
Foram alguns dos pensamentos que me sobrevieram, como um turbilhão.
Então fui ao tal banheiro externo e liguei para meu
irmão. Deu sinal de ocupado. Liguei para minha cunhada e perguntei com um medo
tremendo da resposta ser positiva: meu irmão morreu? Ela respondeu:
infelizmente sim Mara! Procurei apoio, um abraço, um aconchego, e confesso que
nem sabia o que sentia naquele momento, um misto de revolta, dor e preocupação.
E depois as notícias sobre os protocolos funerários
para quem falecia desta doença maldita, protocolos estes que impediram meu
outro irmão de abraçar nosso amado que naquele momento encontrava-se quase
irreconhecível, segundo nos informou, o que o viu pela última vez.
Sabe, o que mais dói? É essa última vez, é esse
nunca mais...
E agora? Como contar para mamãe, e como e com quem
estaria meu pai? Como meu irmão estaria resolvendo tudo de trâmites
burocráticos sozinho? E minha fé, por que não foi suficiente? Será que foi
isso? Mas minha mãe tinha muita fé... Tanta, que no momento da comunicação do
óbito, tentávamos dizê-la de uma forma mais sutil, mas ela não entendia. Meu
pai chegou a dizer: Eh Socorro! Se você tiver a mesma “sorte” de sua mãe de
enterrar filho...Mesmo assim ela não compreendeu a mensagem, então meu pai
pegou em sua perna e disse: Socorro, nosso filho está com Deus!
Esse foi o momento mais difícil no que diz respeito
a minha mãe, sua reação foi dolorosa. Gritava com as duas mãos na cabeça
dizendo que Deus não a ouviu, que a esqueceu, dizendo-lhe o quanto de fé tinha
no coração.
Eu, nem sei como, tive a ideia de avisar a equipe
antes, para o caso de uma possível reação mais inesperada no que diz respeito
ao seu quadro de saúde. O médico deixou calmantes prescritos. Sim, servem, mas
o que são calmantes para uma dor tão imensurável, não é?!
E assim prosseguimos: meu irmão ficou com a parte
mais difícil: reconhecer o corpo sem poder abraça-lo, receber seus pertences,
providenciar os trâmites junto à funerária, providenciar atestado de óbito e
por fim correr atrás da pensão dos 03 sobrinhos que nosso irmão nos deixou. Não
foi só isso, assim só ele saberia contar sua aflição e dor. Ele teve que se
fazer de forte na hora que eu sabia que o mais queria era chorar e ter o direito
de sentir sua/nossa dor.
Perceba-se que estávamos todos separados: Papai em
Orós, também com Covid 19, meus irmãos em Juazeiro e eu e mamãe no Iguatu.
No dia do sepultamento meu irmão juntou-se ao meu
pai e aos demais, devido o protocolo, poucas pessoas compareceram, mas eu soube
com uma tia gritava:Vai meu filho, vai em paz!!!
Papai me ligou desesperado, chorando e me dizendo
que tinha certeza que aquele não era o filho dele, afinal não o viu e não
acreditava que tratava-se do corpo de seu caçulinha. Sobre papai contarei
depois mais detalhadamente, sua força, sua garra, disposição, proatividade e
dedicação incondicional para conosco. Meu Deus! Eu não tinha palavras para
responder!
E aí veio o sentimento ainda maior de revolta
contra um governo genocida que jamais seria capaz de imaginar nossa dor e a de
milhões de brasileiros devido seu capricho que não haver comprado vacinas
quando já havia disponibilidade. Agora em 07 de setembro dilacerou meu coração
ver tanta gente na Av. Paulista apoiando aquele homem sem coração, embora eu
saiba, que muitos ali foram pagos para estar naquela posição, o que também
incomoda muito.
Os dias se passaram, e eu percebia que mesmo
inconscientemente mamãe estava resistente à alta, afinal se confrontaria com
sua casa, cenário que lembra e lembrou absurdamente meu irmão. Tudo parecia ter
um pouco dele: o quarto, o copo, as roupas, seus perfumes, os relógios, o computador, as senhas da
internet, os remédios que sobraram, as fotos, as homenagens nas redes sociais, depois
as malas, muitas malas com escritas suas, com lembranças do seu sorriso tão
contagiante e seu abraço tão acolhedor.
Eu confesso que chorava escondido, mas meu desejo
mesmo era de ir num lugar deserto e gritar com todas as minhas forças: meu
irmão, por que nos deixou? Onde estás? Podes me ouvir?!... Perdoa-me por tudo
que te fiz de mal e por tudo que deixamos de viver juntos por achar que esse
dia demoraria tanto a chegar. Finalizaria a gritar: Eu te amo! Eu te amo! Tem
gente que pergunta: mas por que gritar? Ué! Cada um tem seu jeito de expressar
a dor, lembra?!